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Do JCnet.com.br
Psiquiatra de Botucatu acredita que suicídio tem prevenção
Rita de Cássia Cornélio
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Diante de situações difíceis da vida, já passou pela cabeça de muitas pessoas a ideia de “sair de cena” e deixar que as coisas aconteçam sem a sua presença. Para algumas, infelizmente o pensamento se concretiza. Em momentos de extremo desespero e descontrole, elas se jogam de prédios, viadutos, pontes. Ou ingerem algum tipo de medicamento ou substância que as leva à morte. Para o médico psiquiatra professor da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp/Botucatu) e consultor da Organização Mundial de Saúde (OMS) José Manoel Bertolote, há como prevenir o suicídio.
No “ranking dos suicidas”, os homens são campeões. “Em geral, há três a quatro suicidas homens para cada mulher. Apesar do predomínio estar entre os idosos, cresce entre os jovens por conta da depressão, uso indevido de álcool, esquizofrenia. A maioria das pessoas que se suicida tem diagnóstico de doença psiquiátrica”, afirma.
No Brasil, mais de mil pessoas foram internadas entre janeiro e fevereiro/2013 após tentarem o suicídio. Dados do Ministério da Saúde apontam que no País são 26 casos por dia no mesmo período. O suicídio figura como o quarto motivo entre as mortes por causas externas, perdendo para os homicídios, acidentes de transporte e causas não identificadas.
Para Bertolote, é possível mapear as pessoas que têm comportamentos suicidas, identificá-las e ajudá-las a superar a situação, antes que ela chegue ao intento. Autor do livro “O Suicídio e sua Prevenção”, o psiquiatra é um estudioso do assunto. Recebeu o prêmio Ringel Service Award, da Internacional Association for Suicide Prevention, órgão da OMS.
Grande parte daqueles que pensam em se matar quer apenas chamar a atenção, especialmente nessa época do ano em que as pessoas sentem mais a solidão. Nos sites de autoajuda e de psicologia não é difícil encontrar pessoas desesperadas e pedindo auxílio para isso. Há endereços eletrônicos também que incentivam os interessados a colocar fim em tudo.
Em Botucatu, o assunto é tratado com muita seriedade e profundidade. Uma pesquisa feita em 2009 mostrou que 95,7% das ocorrências de suicídio foram registradas na zona urbana, no período vespertino.
O suicida, em 89,4% dos casos, escolheu a própria casa para se matar. A maioria das vítimas eram donas de casa, com 25,5% das ocorrências, seguidas de estudantes com 17%, vendedores com 6,4% e faxineiras com 5,3%. Em 25,5% dos casos, a pessoa tinha registro na carteira profissional.
O estudo revelou ainda que 31,9% dos suicidas de Botucatu utilizaram o envenenamento para conseguir o seu objetivo. A intoxicação figurou em segundo lugar, com 16%. As vítimas eram solteiras em 26,6% dos casos, enquanto 14,9% eram casadas. Ao contrário do que muitos imaginam, 93,6% delas eram brancas, 3,2% negras e 2,1% eram pardas.
Para Bertolote, a humanidade interpretou o suicídio ao longo da história passando do domínio filosófico (suicídio de honra, ou altruísta), o domínio teológico (pecado) ao domínio da saúde (sobretudo da saúde pública), embora permaneça tema de interesse de filósofos, juristas, sociológos, teológos psicólogos, antropólogos etc.
Taxa de suicídio no Brasil é baixa
Segundo psiquiatra, a maior parte dos casos ocorre entre pessoas com algum transtorno mental, como a depressão
A taxa de suicídio no Brasil é relativamente baixa na avaliação do médico psiquiatra da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu, José Manoel Bertolote. “Menos de oito mortes por 100.000 habitantes por ano. Contudo, devido ao tamanho da população, há cerca de 10.000 casos de suicídio todos os anos no País.”
Bertolote, que é autor do livro “O Suicídio e sua Prevenção”, explica que não há um comportamento padrão que defina se uma pessoa quer chamar a atenção ou realmente quer colocar fim à vida.
“Qualquer ameaça ou anúncio de intenção suicida deve ser levado muito a sério. Antes do desfecho, não há como saber qual resultará em morte e qual não. Atualmente, fala-se em comportamentos suicidas, entendendo-se por isso as tentativas de suicídio e os suicídios consumados. Assim, não há comportamentos que remetam ao suicídio; ele é o próprio comportamento.”
Para o professor, não há como mapear as pessoas que estão passando por comportamentos suicidas para removê-las da ideia. “O suicídio é um processo que tem início com ideias vagas de morte. Se cristalizam em ideias de suicídio, em seguida há uma etapa de planejamento (planos de suicídio), que pode passar a um ato suicida, que poderá resultar em morte (suicídio) ou não (tentativa).”
Na opinião dele, é possível identificar os fatores predisponentes e precipitantes de risco desses comportamentos suicidas. “Porém, nunca se pode ter certeza quando ocorrerá a passagem ao ato. Se pudermos interceptar esse processo o quanto antes, melhor. Estaremos em condição de poder revertê-lo, ou fazer sua prevenção.”
Bertolote ressalta que os principais fatores de risco predisponentes são alguns transtornos mentais. “No Ocidente, de onde provém a maior parte das pesquisas, mais de 95% das pessoas que cometeram suicídio eram portadoras de algum transtorno mental, dos quais os mais frequentes são a depressão, o alcoolismo, certos transtornos de personalidade e a esquizofrenia.”
Além desses, há outros fatores de risco precipitantes. “Em geral, tomados erroneamente pelos leigos como “a causa” do suicídio, dos quais os mais importantes são as perdas (reais ou simbólicas), de bens materiais, de afetos, de pessoas, do emprego, da honra etc. Finalmente, outro importante fator de risco é um “padrão cultural” que facilita o suicídio (como o dos kamikaze japoneses, ou dos homens-bomba).”
Busca por explicações
Quando alguém consegue seu intento e põe fim à vida, de três a 10 pessoas da família e amigos sofrem com o impacto, segundo o psiquiatra José Manoel Bertolote. A partir de então, esses familiares e amigos passam a buscar uma explicação.
“O suicídio de um ente querido pode deixar marcas por toda a vida nos que ficam. De início, há uma busca desesperada por uma explicação, uma mistura de culpa (“onde foi que falhei?”) e de raiva (“por que fez isso comigo?”), que aos poucos é substituída por um sentimento de vazio e de falta da pessoa que se foi”, descreve.
Casos são mais comuns entre esquizofrênicos
A esquizofrenia é uma doença psiquiátrica. Um dos principais sintomas são as alucinações e delírios. A pessoa ouve vozes que ninguém escuta e imagina estar sendo vítima de um complô diabólico, e não há bom senso que a convença do contrário. Antigamente, esses indivíduos eram colocados em sanatórios, porque pouco se sabia a respeito da doença.
Segundo o médico José Manoel Bertolote, o suicídio mais comum entre pessoas com esquizofrenia (sobretudo jovens) é o que ocorre logo após a alta de uma internação psiquiátrica ou a melhora de uma recaída, quando a pessoa percebe que esse padrão (de recaídas graves) é um perspectiva muito provável para o restante de sua vida.
26 suicídios/dia
De acordo com dados do Ministério da Saúde, nos primeiros meses de 2013 foram registrados 26 casos por dia de suicídio no Brasil. Nos últimos 25 anos, segundo dados da Datasus (banco de dados único de Saúde), o aumento no número de suicídios no País foi de 30%. Outro dado alarmante é que a quase totalidade dos suicídios ocorre na zona urbana.
O suicídio predomina entre as pessoas do sexo masculino, jovens e idosos por conta da depressão, uso indevido de álcool e a esquizofrenia - são fatores que determinam ou que influenciam a pessoa ao ato suicida.
Por outro lado, há os fatores de proteção, que até certo ponto, contrabalançam ou anulam os efeitos de fatores de risco. Entre os fatores de proteção, os mais importantes são vínculos afetivos e religiosidade, ressalta Bertolote.
Para ele, não há uma explicação única para a predominância do suicídio entre homens idosos, mas certamente a alta prevalência de depressão e o relativo isolamento social e afetivo (há mais viúvas - solidárias entre si - do que viúvos - solitários, no mais das vezes) têm um peso importante.
“A presença de uma série de outras doenças físicas, em geral crônicas, incuráveis e/ou incapacitantes, como doenças cardíacas, neurológicas, neoplásicas ou dolorosas, agrava a situação dos idosos”, diz o psiquiatra.
Problema de saúde pública
Segundo a OMS, 90% dos casos podem ser evitados com rede de apoio
O suicídio é um problema de saúde pública, segundo o consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS) José Manoel Bertolote. “Sobretudo, por ser uma forma de óbito, por ser muito frequente - cerca de 900.000 por ano, segundo a OMS -, mais do que todas as mortes devidas a guerras e homicídios em todo o mundo, e por ser previsível”, diz.
Para a OMS, 90% dos casos de suicídio podem ser prevenidos, desde que existam condições mínimas para a oferta de ajuda voluntária ou profissional. O Centro de Valorização da Vida (CVV) é um grupo de voluntariado que oferece serviços gratuitos de prevenção ao suicídio.
De acordo com eles, pelo menos 25 pessoas tiram a própria vida diariamente no Brasil e pelo menos outras 50 tentam o suicídio. Por isso, o Ministério da Saúde considera o problema como de saúde pública. No site cvv.org.br há indicação das cidades, em todo o País, onde há atendimento e seus respectivos telefones. Para a entidade, chama a atenção o crescimento dos casos de suicídio entre jovens, ocupando a terceira causa de morte na faixa etária de 15 a 35 anos no Brasil.
Segundo Bertolote, nos países bálticos (Lituânia, Estônia e Letônia) e seus vizinhos, antigas repúblicas soviéticas (Rússia, Bielorrússia e Ucrânia), o número de suicídios é maior. “A presença de um ‘padrão cultural’ facilitador do suicídio e o altíssimo consumo de bebidas alcoólicas já foram identificados por diversos pesquisadores como fatores de peso para essas altas taxas.”
Mas como prevenir o suicídio? Esta é a pergunta que não se cala, especialmente para aqueles que já tiveram amigos ou parentes que colocaram fim à vida sem ao menos deixar uma justificativa, uma explicação para o ato extremo. Bertolote enfatiza que é difícil responder suscintamente a uma pergunta que pode ter muitas respostas. Ele diz que em sua biblioteca tem diversos livros (alguns com cerca de mil páginas) exclusivamente sobre a prevenção ao suicídio. “Entretanto, a Organização Mundial da Saúde preconiza quatro medidas básicas de prevenção do suicídio”.
A primeira delas é o tratamento adequado dos transtornos mentais, controle de substâncias tóxicas (pesticidas, medicamentos etc), controle de armas de fogo, comportamento adequado da mídia, evitando o sensacionalismo e a glorificação do suicídio.