MEMÓRIAS DE UM SUICIDA |
O livro Memórias de um Suicida está entre os mais comentados do Espiritismo, com relatos e imagens impressionantes do Vale dos Suicidas, e lições importantes para a humanidade.
Se porventura já passou pela mente de alguém a idéia de fugir dos graves problemas que o assolam e dizer-se disposto "a acabar com tudo"; ou se, de outro modo, alguém já indagou o que acontecerá ao suicida após a morte, quais as conseqüências, por certo ambos encontrarão resposta no livro Memórias de Um Suicida: o primeiro encontrará um antídoto para aplacar suas idéias de auto-extermínio; o segundo visualizará a situação dramática e pavorosa descrita exatamente por um suicida. Ambos, na dúvida e ainda que seja por temor, ficarão extáticos se lerem a obra.
A Obra e o Autor
Trata-se de um livro recebido mediunicamente por Yvonne do Amaral Pereira - médium carioca com considerável obra de literatura espírita, já desencarnada em 1984 - por intermédio de quem um falecido escritor português, suicida, de nome Camilo Cândido Botelho, descreve a condição de quem busca a morte por intermédio do ato extremo, focalizando as facetas mais tormentosas que decorrem dessa atitude.
Algumas particularidades envolvem a obra:
1) A própria Yvonne, na introdução da oitava edição do livro (que é uma publicação da FEB, Federação Espírita Brasileira, de 1954), informa aos leitores que a obra, conquanto de origem mediúnica, não foi rigorosamente psicografada pois, diz ela, "eu via e ouvia nitidamente as cenas aqui descritas, observava as personagens, os locais, com clareza e certeza absolutas, como se os visitasse e a tudo estivesse presente e não como se apenas obtivesse notícias através de simples narrativas". E a escrita se seguia depois de que, durante o sono do corpo físico e em Espírito, se "alçava ao convívio do mundo invisível e as mensagens já não eram escritas, mas narradas, mostradas, exibidas à minha faculdade mediúnica para que, ao despertar, maior facilidade eu encontrasse para compreender" os fatos que assistira e que por seus próprios meios não tinha condição de descrever (p. 9).
Esclareça-se que essa modalidade de transmissão mediúnica se dá através do chamado desdobramento (emancipação da alma), no qual o médium, durante o descanso ou torpor do corpo físico, em espírito se desdobra para entrar em contato com a realidade do mundo extra físico, tendo exata noção do que pôde ver ou dos conselhos que recebeu (Livro dos Espíritos, A. Kardec, questões 409 e 410).
2) O autor espiritual foi no livro identificado pelo nome de Camilo Cândido Botelho, mas tratava-se efetivamente de um dos maiores nomes da literatura portuguesa do século 19: Camilo Castelo Branco. Este, após ter tomado conhecimento de uma cegueira irreversível, disparou um tiro de revólver no ouvido, em maio de 1890. Deduz-se facilmente que o personagem Espírito narrador dos fatos é Camilo Castelo Branco, por várias circunstâncias: pelo fato de Yvonne mesma ter dito que o ocultaria sob o pseudônimo de Camilo Cândido Botelho (na página 8, observem-se as iniciais claríssimas de ambos os nomes e o prenome exato); a autoria resta clara para quem conhece a obra do talentos o escritor português, seja pelo estilo, seja pelos fatos narrados que coincidem com os seus em vida; e, afinal, porque a própria médium disse que, dentre os numerosos Espíritos de suicidas com quem tivera contato, um se destacou pela assiduidade e pela simpatia e por seu "nome glorioso que deixou na literatura em língua portuguesa, pois se tratava de romancista fecundo e talentoso, senhor de cultura tão vasta ... " (p. 8).
3) Conquanto tenha sido a obra editada pela FEB em 1954, a médium registra que ela se iniciou em 1926, sob a orientação de Léon Denis (Espírito), em vida considerado um verdadeiro apóstolo do Espiritismo. Em razão de gravíssimos problemas pessoais, paralisou as anotações que recebia durante quase vinte anos, retomando os trabalhos em 1946, compilando os fragmentos produzidos e adicionando outros fatos e novas observações, de onde resultou - segundo consta, sob a inspiração instigada do Dr. Adolfo Bezerra de Menezes - a decisão de publicá-la cerca de oito anos depois (informação verbal de Samuel Angarita, decano espírita da FEESP, que conheceu a médium).
4) A médium declara, no mesmo prefácio da obra, que ela de há muito recebia comunicações, psicográficas ou psicofônicas, de inúmeros suicidas, que se afinizavam com ela, porquanto ela mesma fora uma suicida em outra existência, em encarnação passada (p.7).
O LIVRO E SEU CONTEÚDO
Não se trata de um livro de leitura suave, deleitável, no qual o leitor pense encontrar entretenimento; ao contrário, é calhamaçudo (568 páginas, 22 capítulos distribuídos em três partes), de linguagem apurada, castiça e pura - seja porque Camilo fora um purista da língua, seja pela época em que foi escrito -, mas, principalmente, porque encerra assustadoras, aterradoras e tempestuosas experiências vividas por um suicida, exatamente concitando o leitor a refletir sobre as conseqüências desse ato.
Sabe-se, em anos de experiência nas lides espíritas, que incontável número de pessoas interrompeu diversas vezes a leitura, dado o impacto inicial que o livro causa, especialmente pela descrição da dramática situação daqueles que se encontram no que o narrador Espiritual chama de Vale dos Suicidas.
Trata-se daquele tipo de obra que se diz que é para ser lida "no tempo certo", ou quando "se está pronto" para um contato com tal realidade chocante.
Mas é exatamente por isso que é considerado nos meios espíritas, dentre os-mais doutos e estudiosos, com um verdadeiro marco nesse tipo de literatura oriunda do mundo espiritual. Tenha-se em conta o choque de opiniões e o alvoroço de conceitos que provocaram as primeiras obras do Espírito André Luiz, editado o primeiro pela mesma FEB em 1944 (Nosso Lar, André Luiz (Espírito), psicografia de F. C. Xavier, ed. FEB). Daí se pode imaginar a celeuma causada por uma obra escrita antes quase vinte anos antes, mesmo que editada depois.
A temática é forte, dolorosa e triste: o suicídio sempre causou estranheza e indignação às pessoas, pois que em muitos casos as razões reais do auto-extermínio sempre foram desconhecidas. O personagem envolvido é de expressão. As revelações, estarrecedoras.
Mas, de toda sorte, a história narrada não induz a um sofrimento eterno; ao contrário, há uma saída, há um caminho de retorno, de reconstrução para os faltosos que efetivamente se mostrem arrependidos de terem atentado contra a Lei Natural, a Lei Divina. Em uma palavra: a reabilitação é totalmente possível!
E, nesse passo, a obra está em consonância com o aspecto consolador que as obras básicas do Espiritismo trazem sobre o tema: o Livro dos Espíritos, a par de considerar o ato sinistro como um verdadeiro crime que retarda o progresso do seu autor e vítima, aclara que o paciente terá múltiplas oportunidades futuras para redimir-se, para refazer sua caminhada evolutiva, mercê de encarnações reparadoras, no tempo certo (questões 943 a 957).
Com outro enfoque, em O Céu e o Inferno (Ed. FEB, 35ª, Capo V, pp. 295 a 323) há relatos dos próprios suicidas sobre o seu estado infeliz na erraticidade. Ao ser analisado cada um dos casos, observa-se que o sofrimento é temporário, mas nem por isso deixa de ser difícil, uma vez que o remorso dos envolvidos em tal trauma pessoal parece não ter fim.
Infortúnio e Reforma
É esse o ângulo de visão da narrativa do livro em questão. Impossível, em breves linhas, traçar o panorama inteiro do desenrolar da saga do suicida. Mas, em síntese apertadíssima, aclara-se que a obra se divide em três partes: Os Réprobos, Os Departamentos e A Cidade Universitária.
Na primeira parte, há a descrição da condição do Espírito que pretende morrer através do suicídio; relata-se ali os padecimentos dele após o desencarne voluntário, enunciando as regiões, os seus habitantes e os sofrimentos a que são induzidos como conseqüência dos atos próprios. São narrados ainda os trabalhos ingentes das equipes socorristas no resgate dos infortunados, tentando despertar-lhes a consciência do valor à vida e do cumprimento das leis eternas e imutáveis naturais; são destacados minudentemente os tratamentos e as impressões vivenciadas pelas criaturas assistidas. Nessa parte, é realçada a situação de Camilo, que, poucos meses depois do seu ato tresloucado de suprimir a vida, estava vagueando sem destino em torno dos próprios restos mortais, sendo, a seguir, detido no Vale dos Suicidas, abrigo dos réprobos oriundos de Portugal e das suas colônias africanas, da Espanha e também do Brasil. Mas, alguns anos após tratamentos e cuidados, já pôde participar de trabalhos de amparo espiritual e conscientização de suicidas no interior do Brasil.
Na segunda e na terceira partes, o narrador espiritual focaliza os trabalhos de instrução necessários para uma nova reencarnação, nos quais os suicidas da matéria poderão buscar a reabilitação perante as leis que regem a vida. Após dez anos de internação, Camilo recebe alta da instituição hospital do mundo espiritual em que estivera em longo tratamento, ingressando na Universidade ali mantida. Tem a oportunidade, nessa ocasião, de reencontrar seus familiares, pai, mãe e a esposa também falecida. Graduado na Universidade vai aos poucos galgando o caminho mais amplo da sua reabilitação espiritual, passando a servir na enfermaria do hospital.
Trabalho e mais trabalho, como veículo da reforma e de progresso.
Em conclusão, o narrador enfoca a lei de causa e efeito, enfatizando a necessidade da reencarnação como veículo de aperfeiçoamento do Ser, como uma verdadeira dádiva do Criador à Criatura - jamais como castigo! - que pode realizar o mais amplo e eficaz resgate dos débitos que angariou, fruto de seus próprios desmandos e transgressões.
No fim da jornada e, portanto, exatamente no final do compêndio, Camilo vai ao encontro da sua redenção e reajuste: parte para a reencarnação, dizendo a si mesmo: "( ... ) aprende, de uma vez para sempre, que és imortal e que não será pelos desvios temerários do suicídio que a criatura humana encontrará o porto da verdadeira felicidade ... " (p. 568).
Uma apropriadíssima síntese sobre os objetivos da obra diz que "mais do que descrever a rotina de um espírito após a desencarnação (e a imensa popularidade das obras de André Luiz é mais do que eloqüente para demonstrar o interesse que esse assunto desperta), a análise global da passagem de Camilo pelas lides do movimento espírita serve de subsídio a estudos maiores a todos os que trabalham não só com o tema suicídio, mas também reencarnação, fisiologia da alma, vivências passadas com fins terapêuticas e outros, temas em grande parte ainda carentes de estudos mais profundos" (Boletim Eletrônico do Grupo de Estudos Avançados Espíritas (v.'ww.geae.inf.br), artigo de Carlos Luís M.C. da Cruz: Camilo Castelo Branco Um estudo de Fontes à Luz do Espiritismo).
Àqueles que interromperam a leitura do livro Memórias de Um Suicida, aos que nunca se aventuraram (por medo ou por simples preguiça) e àqueles que, apesar de terem convicção de que" a vida continua", ainda não conhecem a realidade do "outro lado", especialmente chegando a ele por vias travessas, ficam as tocantes palavras de Léon Denis, Espírito, no prefácio da segunda edição da obra: "Que medites sobre estas páginas, leitor, ainda que duro se torne para o teu orgulho pessoal o aceitá-las! E se as lágrimas alguma vez rociarem tuas pálpebras, à passagem de um lance mais dramático, não recalcitres contra o impulso generoso de exaltar teu coração em prece piedosa, por aqueles que se estorcem nas trágicas convulsões da inconseqüência de infrações às leis de Deus!" (p.14).
Francisco Aranda Gabilan é advogado há trinta e três anos, há mais de vinte anos ligado ao Departamento de Ensino da Federação Espírita do Estado de São Paulo, nos cursos de Educação Mediúnica, Aprendizes do Evangelho, Expositores e Divulgadores. É ex-expositor do Centro Espírita Nosso Lar (Casas André Luiz), Conselheiro Efetivo do Conselho Deliberativo e membro do Conselho Jurídico Consultivo da FEESP. É autor dos livros Entre o Pecado e a Evolução e Macho, Fêmea Etc (DPL €Espírita). Atua em dezenas de Casas Espíritas, especialmente no Núcleo Espírita Segue a Jesus (Casa Verde) e O Semeador (Alphaville). Dirige o orfanato Casa Jesus, Amor e Caridade, e é conselheiro do asilo Casa Luz do Caminho (Horto Florestal, São Paulo). Escrev(' para O Semeador e Jornal Espírita, da FEESP, além de ser colunista dos portais Segue a Jesus (www.segueajesus.org.br). da Fundação Espírita André Luís (www.feal.com.br) e www.espiritismogLcom.br. - Revista Espiritismo & Ciência.
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