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Em dez anos, suicídio de crianças e de pré-adolescentes cresceu 40% no Brasil
por
Maria Fernanda Ziegler e Ocimara Balmant
Publicada em 10/09/2014 16:28:02
"Mas você tem tudo o que quer. Por que fez isso?" Seja em um choro dolorido ou aos gritos de raiva, a frase é comum no pronto socorro de psiquiatria para onde são encaminhadas as crianças e adolescentes que tentaram se matar.
Sai da boca dos pais, atônitos com a confissão do filho que se cortou todo ou que ingeriu uma dose cavalar de medicamentos. Pouco falado, o suicídio na infância e adolescência tem crescido nos últimos anos.
Dados do Mapa da Violência, do Ministério da Saúde, revelam que ele existe e está crescendo. De 2002 a 2012 houve um crescimento de 40% da taxa de suicídio entre crianças e pré-adolescentes com idade entre 10 e 14 anos. Na faixa etária de 15 a 19 anos, o aumento foi de 33,5%.
"Ao contrário do adulto, que normalmente planeja a ação, o adolescente age no impulso. São comportamentos suicidas para fugir de determinada situação que vez ou outra acabam mesmo em morte", afirma a psiquiatra Maria Fernanda Fávaro, que atua em um Pronto Socorro de psiquiatria em São Caetano do Sul, região metropolitana de São Paulo. Aos cuidados de Maria Fernanda, são encaminhadas as crianças e adolescentes que chegaram feridas ao hospital.
Ao serem perguntados sobre o motivo de terem se mutilado com gilete, se ferido com materiais pontiagudos, cortado o pulso ou ingerido mais de duas dezenas de comprimidos, a reposta é rápida, e vaga.
"A maioria diz que a vida não tem sentido, que sentem um vazio. Muitos têm quadros associados à depressão", afirma Maria Fernanda. O cenário é tão recorrente, diz a psiquiatra, que há sites, blogs e páginas de rede social que ensinam as melhores técnicas e ferramentas para que a criança tire a própria vida.
Para os mais novos, se matar é, de fato, mais difícil. Dados mostram que, a cada suicídio adulto, há de 10 a 20 tentativas que não acabaram em morte. No caso de crianças, são estimadas 300 tentativas para um suicídio consumado, seja porque usam método pouco letal, seja por dificuldade de acesso a instrumentos. "Muitos contam que vêm se cortando a mais ou menos um ano, e a família não sabe disso."
Assunto proibido
Esse desconhecimento familiar não deve ser encarado como um descaso, mas visto sob a lógica do quanto o tema do suicídio ainda é um tabu na sociedade, afirmam os especialistas. No caso de crianças e adolescentes, suicídio segue sendo um assunto proibido, apesar de estudos mostrarem que 90% dos atendimentos em emergência psiquiátrica são decorrentes de tentativas de se matar.
"Existe o mito de que o suicídio se concentra nos países nórdicos. Eles realmente lideravam, mas tomaram atitudes e conseguiram reverter o quadro. Enquanto isso, a gente continua sem falar nisso e vê os números crescendo", alerta Carlos Correia, voluntário há mais de 20 anos do Centro de Valorização da Vida (CVV).
Dados divulgados pela OMS na semana passada mostraram que o Brasil é o quarto país latino-americano com o maior crescimento no número de suicídios entre 2000 e 2012 e o oitavo do mundo em números absolutos de pessoas que tiram a própria vida. Foram 11.821 suicídios no período, aumento de 10% em relação à década anterior.
Uma situação que, segundo os especialistas, reflete a falta de programas de prevenção. Apesar de a taxa no País ainda ser inferior a 10 por 100 mil habitantes – quando a OMS considera alta, a população é muito grande e o Brasil está entre os dez primeiros em suicídios.
“O que não pode é o Brasil votar em março sobre o relatório da OMS, mas não promover o plano de prevenção ao suicídio”, completa o médico Carlos Felipe Almeida D’Oliveira, da Rede Brasileira de Prevenção do Suicídio.
O psiquiatra infantil Gustavo Estanislau compara com países desenvolvidos. "Lá fora, existem projetos de prevenção há muito tempo. Eles já têm isso tão bem organizado que funcionam como um guia. Tem equipes até para agir nas escolas quando, por exemplo, uma criança se mata. No Brasil, não conheço nenhum projeto desse tipo."
Por onde começar
Os primeiros passos para criar um programa de prevenção eficaz são trabalhar na identificação de fatores de risco, investir em serviços especializados e definir quais são as populações mais vulneráveis, com atenção àqueles que já apresentaram tentativas de suicídio.
Maria Fernanda conta que boa parte das crianças e adolescentes que ela atende no pronto socorro psiquiátrico é reincidente: já tentaram se matar outra vez e, machucados, passaram por um clínico geral que os liberou em seguida. “É a realidade da maioria, porque ainda são poucos os serviços especializados”, diz.
Quando essa mesma criança tem acesso a um serviço especializado, o resultado pode mudar seu futuro. “Atendo e avalio se ela mantém o risco suicida. Se ela diz que tentou se matar e continua querendo, a gente interna. Se não há risco, indicamos um acompanhamento ambulatorial. Só não pode é voltar para casa do jeito que chegou”, afirma Maria Fernanda.
Como eu vou saber?
Os especialistas afirmam que é preciso prestar atenção a qualquer sinal que a criança ou o adolescente demonstre sobre vontade de tirar a própria vida. Além de comunicar verbalmente o objetivo de se matar, ela pode apresentar sinais como tristeza prolongada, mudança brusca de comportamento, agressividade e intolerância.
“A primeira coisa a fazer é considerar que há um risco. Não pode achar que é bobagem, coisa momentânea ou para chamar atenção. O suicídio tem um aspecto importante, que é a comunicação. Se a pessoa está comunicando que tem um tipo de sofrimento e que não encontra uma saída, é preciso ficar atento e procurar um serviço de saúde mental”, afirma D’Oliveira, da Rede Brasileira de Prevenção do Suicídio.
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