segunda-feira, 13 de agosto de 2012

4 AFIRMAÇÕES PARA UM SUICIDA EM POTENCIAL - Conclusão

IPUB/UFRJ

SUICÍDIO: 4 AFIRMAÇÕES PARA UM SUICIDA EM POTENCIAL (CONCLUSÃO)

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Márcio Amaral
Muitos poderão ter se surpreendido com o número de citações (nos textos anteriores) da literatura e da filosofia, por um lado, e a quase inexistência de citações de pesquisadores do suicídio, por outro. As razões são muito simples: o tema interessou sobremaneira a todos os grandes escritores e foram eles que "penetraram" o drama essencial dos suicidas em geral. Além disso, há uma certa pobreza na investigação psicológica, entre os investigadores da área, quanto aos conflitos que podem levar uma pessoa à situação extrema. Estamos convencidos de que, como foi afirmado, a hipervalorização do papel da doença mental na decisão pelo suicídio embotou as inteligências, atrapalhando um maior refinamento na investigação daqueles conflitos. Já os grandes escritores, esses estavam apenas interessados no entendimento profundo dos seres humanos e de seus dramas.
Alguns poderão ter estranhado também a ausência de afirmações ligadas a crenças religiosas, uma vez que é bastante conhecido o papel protetor que a religião---e da crença em Deus---pode exercer na tomada da decisão pelo suicídio. É muito conhecida a argumentação de Platão ("Fédon")---através de palavras atribuídas a Sócrates, pouco antes da sua execução---de que somos como que escravos dos deuses responsáveis pela nossa estada no mundo. Por isso, suicidar-se seria uma traição semelhante à fuga de um escravo ao seu Senhor. Não nos sentimos bem para usar esse tipo de argumento, mas respeitamos quem o utiliza, especialmente diante desse tipo de risco. Deve também dar o que pensar, o fato de quase todos os países, nos quais se verificam altas taxas de suicídio, terem alto desenvolvimento humano e disporem de boa rede pública de assistência. Nada disso parece ser suficiente. Há muito me convenci de que nada é capaz de substituir, especialmente nessas situações, o contato humano direto e totalmente individualizado. É bom também não esquecer do papel da ANOMIA como fator do suicídio nas diversas comunidades. Talvez por isso, meros serviços que sofrem o risco permanente de se voltar mais para números do que para pessoas individualizadas, têm fracassado tanto. Há que personalizar toda intervenção.
Quando aplicamos o termo "AFIRMAÇÕES" sabíamos o quanto é categórico. O objetivo era esse mesmo. Gostamos do princípio: para uma situação extrema, atitudes proporcionalmente extremas! Temos a impressão de que, nessas situações, excessos de sutileza intelectual e de racionalizações podem prejudicar. O objetivo seria mesmo o de abalar algumas crenças que estariam levando pessoas (e grupos) mais e mais para a "beira de um abismo". A escolha das palavras e o estilo de sua utilização há de ser o de cada um. O que há de aproveitável nesta série de textos haverá de se impor---como costuma acontecer---até mesmo à revelia dos possíveis leitores. Já demonstrar ser seu efeito marcante (ou não) para adiar ou modificar a decisão de um suicida em potencial, há de ser muito difícil. Essa, entretanto, não é uma razão para que fiquemos paralisados.
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Uma coisa é certa: uma BAIXA ABERTURA PARA NOVAS EXPERIÊNCIAS ("Low Openness to Experience", Duberstein PR, International Psychogeriatrics, 1995; 7 (2)) é um fator de peso na tomada da decisão pelo fim da vida. Costuma fazer parte do manto de sombra que cai sobre algumas pessoas e está profundamente associada à perda da esperança. Ninguém tem idéia da origem da crença, sem qualquer base racional, de que alguma solução há de vir de algum lugar, embora não se a veja no horizonte. Alguns conseguem mantê-la até mesmo nas piores situações. Temos fortes razões para acreditar que as sentenças sugeridas podem ajudar a abrir novos caminhos de reflexão e, com isso, adiar uma decisão aparentemente irrevogável. Sua introdução às pessoas próximas às que apresentam o risco agudamente também há de ter algum efeito.
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Quanto às "verdades" nas pesquisas com seres humanos, individualmente ou em grupos, diria que temos descoberto muito poucas que sejam independentes e alheias à nossa ação individual e coletiva. Esse tipo de verdade está mais afeita àastronomia (descoberta de novos astros dentro e fora do sistema solar), à química (novos elementos) e outras. No nosso caso, é sempre evidente algum efeito da própria investigação sobre os objetos e situações investigadas. Muitas das "verdades" encontradas são induzidas pela própria expectativa de resultado, como é bem conhecido o efeito da expectativa generalizada sobre a quebra de um banco.
Costumamos hipervalorizar o papel das "verdades" e, nesse ponto, talvez nos aproximemos da atitude religiosa que vive da procura por verdades absolutas. Como bem o disse um certo filósofo (Nietzsche), o que mais interessa em um Juízo não é se ele é verdadeiro ou não, mas se é edificante; se injeta mais vida na vida e se eleva nossa ligação para com ela. Nunca isso foi tão verdadeiro quanto na investigação das forças que podem levar alguém a dar fim à sua própria vida. Deixemos de mistificar o papel da RAZÃO! Assim como a química brotou da alquimia, foi a astrologia que engendrou a astronomia. A Razão se sustenta em algo totalmente irracional, muito para aquém dela mesma. O "excesso" de racionalidade mais abala do que reforça uma certa "força vital" que nos sustenta. É o que se pode ver no romance "A Carne" de Júlio Ribeiro, mas também nos versos do poeta.
"A árvore da Vida/ Não é a mesma árvore da Razão" (Lord Byron)
Toda cultura se formou a partir de MITOS DE FUNDAÇÃO. Há que respeitá-los! Pode alguém, em sã consciência, negar o papel dos mitos para que até mesmo os cientistas chegassem às suas modernas e muito parciais "verdades "?
Por fim, assinalamos alguns achados da pesquisa que reforçam o papel do conflito entre um IDEAL DE EU muito distante das capacidades momentâneas de alguém, na tomada da decisão de dar fim à própria vida. Estudando os possíveis motivos para que as taxas de suicídio, entre os negros norte-americanos, fossem menos da metade das encontradas entre brancos, H. Hendin (Kaplan e Sadock, oitava edição, p. 2445) sugeriu a hipótese que denominou "means-versus-aspirations" ("Black Suicide", 1969): considerando as grandes desvantagens dos negros---do ponto de vista do investimento social---desde o início de suas vidas, eles ergueriam ideais mais restritos e um fracasso individual poderia ser atribuído àquelas desvantagens iniciais. Tudo isso aliviaria o conflito interno assinalado.
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Em seu "Cartas de Adeus" (Psicorama: ano 5, número 1, 1984) a grafóloga francesa M.J. Sedeyn, depois de estudar algumas centenas de cartas de suicidas, encontrou evidências---provindas do saber associado à técnica---da presença do referido conflito naquelas palavras de despedida: 1-disposição no alto da página, associada a grandes projetos e ideais que não foram atingidos; 2-ausência de alíneas (espaços entre as linhas), gerando a sensação de sufocamento; 3-tendência a uma disciplina opressora, mantida até os últimos momentos. Suas observações, entretanto, limitam-se, como era de se esperar, àqueles que deixaram cartas ou bilhetes.
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Em 1988 (Amaral M, "A Deficiência Física Precoce Protege Contra o Suicídio?"-JBP, 1988,37(2) 69-9)---sem conhecimento prévio do trabalho de Hendin---fizemos publicar uma hipótese muito semelhante à sua. Tomamos, entretanto, alguns grupos sociais nos quais essa desvantagem inicial seria algo plenamente verificável: sequelas para pólio, fenda palatina, nanismo, sequelas pela Talidomida, surdo-mudez, cegueiras desde a infância e outras. Obtivemos retornos animadores de diversas associações voltadas para a educação e apoio a essas pessoas, mas não fomos capazes de levar adiante os projetos iniciados.

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