domingo, 18 de julho de 2010

POR QUÊ AS CRIANÇAS SE SUICIDAM?

Luiz Carlos D. Formiga

PARTE I



"A religião, a moral, todas as filosofias condenam o suicídio como contrário às leis da Natureza. Todas nos dizem, em princípio, que ninguém tem o direito de abreviar voluntariamente a vida. Entretanto, por que 'não se tem esse direito? Por que não é livre o homem de pôr termo aos seus sofri- mentos? Ao Espiritismo estava reservado demonstrar, pelo exemplo dos que sucumbiram, que o suicídio não é uma falta somente por constituir infração de uma lei moral, consideração de pouco peso para certos Indivíduos, mas também um ato estúpido, pois que nada ganha quem o pratica, antes o contrário é o que se dá, como no-lo ensinam, não a teoria, porém os fatos que ele nos põe sob as vistas." Allan Kardec ("O Livro dos Espíritos", comentário à resposta da questão 957).

No dia 12 de maio de 1979 o jornal "O Globo" reuniu alguns profissionais para debater o suicídio e suas razões. A reportagem intitulada "Suicídio - uma doença social de multas causas" merece ser lida porque é matéria que nos permite inúmeras reflexões. Nela podemos observar que no Rio de Janeiro os telefones do Centro de Valorização da Vida recebem cerca de 100 ligações por dia e que em São Paulo há 30 tentativas de suicídio por dia, das quais três são fatais.

Estatística sobre o Rio de Janeiro não é mencionada. Estes números chamam a atenção de qualquer pessoa, principalmente daquelas que ou- viram Allan Kardec solicitar esclarecimentos sobre quais são, em geral, as conseqüências do suicídio sobre o estado do Espírito na questão n° 957 de "O Livro dos Espíritos". Observamos lá que as conseqüências do suicídio são muito diversas mas que urna conseqüência à qual o suicida não pode fugir é o desapontamento.

Os telefones 248-7171 (durante 24 horas) e 221-7723 (horário comercial) são atendidos por voluntários que basicamente apenas ouvem os desabafos dos que estão sob tensão e prontos para cometer o suicídio. Pessoas generosas diplomacias apenas em "ciência de saber escutar", ouvir pacientemente e, quando necessário, emitir alguns conselhos. Segundo Informação do engenheiro Normando Meio de Oliveira Dias, presidente da Sociedade Beneficente Vigília da Amizade, durante as festas de Na- tal, carnaval e feriados a procura é muito mais Intensa, pois as pessoas sentem-se mais sós, mais deprimidas. Outra observação feita é que durante a novela "Dancing Days", na TV Globo, quase ninguém ligava. Por isso foi considerada uma boa amiga do Centro de Valorização da Vida, uma vez que estende sua programação até de madrugada, prendendo e mantendo a pessoa ligada.

Comenta ainda o engenheiro que em São Paulo, onde o hábito de se fazer o lazer é diferente do realizado no Rio, as pessoas potencialmente estão mais protegidas, menos vulneráveis, pois lá o sen- tido de família está sempre mais presente.

A tentativa de suicídio pode ser interpretada como unia conduta destinada a produzir modificações no ambiente familiar da pessoa que executa a tentativa. Quando, na realidade, ocorre indiferença, as tentativas têm possibilidades cada vez maiores de atingir a auto-eliminação. É pertinente lembrar que a Doutrina Espírita chama atenção para o problema da indiferença humana mostrando em "O Evangelho segundo o Espiritismo" que o homem de bem (capítulo XVII) possuído do sentimento de caridade e de amor ao próximo faz o bem pelo bem, sem esperança de recompensa, retribui o mal com o bem, toma a defesa do fraco contra o forte, e sacrifica sempre seu interesse à Justiça. E encontra satisfação nos benefícios que derrama, nos serviços que presta, nas lágrimas que seca, nas consolações que dá aos aflitos. Re- conhecendo-se com relativa facilidade aqueles que realmente podem ser considerados como espíritas verdadeiros pela transformação moral que se lhes operou no âmago do ser, e também pelos esforços que empreendem no sentido de domar, de dominar, de vencer suas inclinações más. O verdadeiro espirita não pode ser indiferente à. dor humana. Essa indiferença geradora de problemas diversos e que foi recentemente apontada pelos alunos de uma grande Universidade brasileira, em "enquête" elaborada pelo Serviço de Orientação ao - Universitário, como uma das maiores limitações do Professor Universitário. Como se pode observar não basta o alta saber intelectual e se o desejo é de vôo mais alto é necessário lembrar que o Espírito de Verdade ensinou "ama-vos e Instrui-vos" e o verbo instruir vem em segundo lugar.

Como não se pode falar do tema em questão sem lembrar o Sociólogo Êmile Durkheim, a Professora Silvia Regina Pantoja, socióloga, comenta suas conclusões que são indispensáveis. Durkheim assevera que existem homens capazes de resistir a desgraças horríveis enquanto outros se suicidam depois de aborrecimentos ligeiros. Seria importante investigar a causa desta resistência diversa e o que contribui para essa estrutura maior ou menor. Interessante anotar que é nas épocas em que a vida é menos dura que as pessoas a abandonam com mais facilidade, o que fez o psiquiatra Miguel Chalub, outro entrevistado por "O Globo", lembrar que em situações altamente dramáticas, como nos campos de concentração, o número de suicídios é bem pequeno, o que nos faz concluir que o amor à vida a tudo supera. Analisando diversos fatores, Durkheim assevera que a taxa social dos suicídios só se pode explicar sociologicamente. É a constituição moral da sociedade que fixa em cada instante o contingente dos mortos voluntários. Os movimentos que o paciente executa e que à primeira vista parecem representar exclusivamente o seu temperamento pessoal constituem, na realidade, a continuação e o prolongamento de um estado social que manifestam exteriormente. A Socióloga Sílvia Regina Pantoja nesta oportunidade comentou que Durkheim fez uma análise do suicídio procurando desvencilhar-se de todo tipo de proposta que reúne como causas do suicídio fatores puramente extra-sociais, ou seja, aqueles que repousam na constituição orgânica e psíquica dos indivíduos ou nas condições naturais e físicas do meio ambiente. Assim é que Durkheim abandona as formas como se apresenta o suicídio nos sujeitos particulares para buscar suas causas a partir do estado dos diferentes meios sociais: família, grupos profissionais, confissão religiosa, sociedade política, etc... E, como medida metodológica, se volta depois aos indivíduos para explicar como aquelas causas gerais se individualizaram para produzir os efeitos suicidas. Ao verificar a relação entre a freqüência de suicídios e a confissão religiosa, por exemplo, constata que ela é maior entre os protestantes do que entre os católicos e judeus. Por que no catolicismo e no judaísmo os crentes estão mais preservados da autodestruição? Isto não ocorre pela natureza dos argumentos religiosos, mas pela existência de um certo número de credos e práticas comuns, tradicionais e obrigatórios a todos os adeptos que levam à constituição de uma sociedade. Conclui o pesquisador que quanto mais estes estados coletivos são numerosos e fortes, tanto mais a comunidade religiosa está fortemente integrada; tanto mais, também, é dotada de virtude preservadora. Mais uma vez pode-se observar que o esforço que é feito por grande parte dos espiritistas no Brasil no sentida de unidade, além de ser o caminho adequado é antes de mais nada uma necessidade. Observa-se que a única imposição é que não haja imposição, mas apela-se para a unificação. É pertinente lembrar que no livro "Obras Póstumas" (Allan Kardec) encontramos que o Espiritismo é uma doutrina filosófica, que tem conseqüências religiosas, como toda filosofia espiritualista; pelo que toca forçosamente nas bases fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma, a vida futura. Não é ele, porém, uma religião constituída, visto que não tem culto, nem rito, nem templo, e, entre os seus adeptos, nenhum tomou nem recebeu o título de sacerdote ou papa. Há uma autoridade coletiva, onde cada qual dispõe de seu voto e que nada podem sem o concurso uns dos outros. Mas todos estão de acordo acerca de princípios fundamentais, condição absoluta para sua admissão e para a de todos os co-participantes da direção. Comenta Kardec que esta autoridade deverá ser, em matéria de Espiritismo, o que é urna academia em matéria de ciência.

Quanto mais integrados os espiritistas mais fortalecida a causa que procura possibilitar maiores oportunidades de o Indivíduo modificar o seu comportamento e chegar à harmonia com a sociedade e consigo mesmo. "O Livro dos Espíritos" - Filosofia Espiritualista -, contém os princípios da Doutrina Espírita sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e a futura da Humanidade. Seu codificador Allan Kardec assevera ("Obras Póstumas") que é um dever gravar esta crença no espírito das massas e é um fato que essa crença é inata, pois todas as religiões a proclamam. Indaga Kardec por que então não tem dado até hoje os resultados que se deviam esperar? É que, em geral, tem sido apresentada em condições, que a razão não pode aceitar. Para que a doutrina da vida futura produza, de agora em diante, os frutos que podemos esperar, é preciso, antes de tudo, que satisfaça completamente à, razão e à, idéia que formamos da sabedoria, da justiça e da bondade de Deus; que não possa ser desmentida pela ciência; não deixe no espírito nem a dúvida, nem a incerteza; que a vida futura seja tão positiva como a presente, de que é a continuação, corno o dia seguinte o é da véspera. Na reportagem de "O Globo" o médico Fernando Marques dos Reis ensina que há vários suicídios históricos na política de Roma, lembrando o de Bruto, como está no "Júlio César", de Shakespeare, e chega até nós com Camillo Castelo Branco, Santos Dumont e Ge- túlio Vargas. Mas o grande interesse do tema, recorda o médico, está em que o suicida é, antes de tudo, o deprimido, e, como diz o Dr. Paul Lüth, estudioso de história da Medicina, "a depressão é a doença da época". Na Alemanha Ocidental, que tem 60 milhões de habitantes, suicidam-se em média 38 pessoas por semana, ou seja, cerca de 14 mil por ano. A Organização Mundial de Saúde estima em 150 milhões os deprimidos do mundo. Merece registro, como é comentado em "O Globo", que entre os mais acometidos, nesse capítulo das depressões, se acham os pastores e os psiquiatras, entre os quais as cifras de suicídio são oito vezes maiores do que no resto da população. Estas cifras parecem indicar que, em termos bem realistas, "ninguém salva ninguém e que as religiões salvadoras não se salvaram sequer".

Pode-se falar em três tipos de suicídio, segundo a visão de Durkheim. o egoísta, o altruísta e o anômico. O egoísta é aquele que resultaria de uma individuação excessiva nas sociedades onde a moral se esforça para Incutir no indivíduo a idéia de seu grande valor, fazendo que sua personalidade se sobreponha à coletiva. Deve acompanhar o processo outro constituinte que é a vaidade que na linguagem da moda seria a "inflação" da personalidade. O egoísmo é tema estudado nas obras básicas da Doutrina Espírita em diversas oportunidades, basta ver o índice analítico dessas obras. Assim Emmanuel no capitulo XI de "O Evangelho segundo o Espiritismo" ensina que o egoísmo é a chaga da Humanidade. Comenta o Instrutor que é o objetivo para o qual todos os verdadeiros crentes devem dirigir suas armas, suas forças e sua coragem. Coragem porque é preciso mais coragem para vencer, a si mesmo do que para vencer os outros. Conclama que cada um, pois, coloque todos os seus cuidados para combatê-lo em si, porque esse monstro devorador de todas as inteligências, esse filho do orgulho, é a fonte de todas as misérias deste mundo. É a negação da caridade e, por conseguinte, o maior obstáculo à. felicidade dos homens. Allan Kardec em "O Livro dos Espíritos" apresenta-nos diversas reflexões: como destruí-lo, como obstáculo ao progresso moral, corno verdadeira chaga da sociedade. Relaciona o egoísmo à perda de pessoas amadas, à vida de Isolamento, às desigualdades sociais, às ingratidões, ao problema da fome e aos laços de família.

A visão de Durkheim nos mostra outro tipo de suicídio - o altruísta -, praticado nos meios onde o indivíduo deve abrir mão de sua personalidade e ter espírito de abnegação e entrega de si às causas coletivas. Por exemplo, o espírito militar, que exige que o indivíduo esteja desinteressado de si mesmo em função da defesa patriótica. Nesse particular a questão no 951 de "O Livro dos Espíritos" comenta que todo sacrifício feito à custa de sua própria felicidade é um ato soberanamente meritório aos olhos de Deus, porque é a prática da lei de caridade. Ora, a vida sendo o bem terrestre ao qual o homem atribui maior valor, aquele que a renuncia para o bem de seus semelhantes não comete um atentado: ele faz um sacrifício, Mas, antes de o cumprir, ele deve refletir se sua vida não pode ser mais útil que sua morte. Não devemos deixar de enfatizar que André Luiz, no livro "Con- duta Espírita", recomenda que o ser humano, no trabalho, deve situar em posições distintas as próprias tarefas diante da família e da profissão, da Doutrina que abraça e da coletividade a que deve servir, atendendo a todas as obrigações com o necessário equilíbrio, porque o dever, lealmente cum- prido, mantém a saúde da consciência.

Finalmente, o terceiro tipo de suicídio - o anômico -, que vem de ocorrer nos meios onde o progresso é e tem que ser rápido, levando a ambições e desejos ilimitados, O dever de progredir tira do homem a capacidade de viver dentro de situações limitadas, tira-lhe a capacidade de resignação e, por conseqüência, tem-se o aumento dos descontentes e irrequietos. Nesse particular a doutrina espírita não poderia omitir-se e em diversas oportu- nidades as suas obras básicas discutem o problema da resignação humana. Gostaríamos de lembrar apenas que no livro "Vinha de Luz", de Emmanuel, este abnegado Instrutor mais uma vez leciona com propriedade invulgar. "Jesus forneceu padrões educativos em todas as particularidades da sua passagem pelo mundo. O Evangelho no-lo apresenta nos mais diversos quadros, junto ao trabalho, à simplicidade, ao pecado, à pobreza, à alegria, à, dor, à glorificação e ao martírio. Sua atitude, em cada posição da vida, assinalou um traço novo de conduta para os aprendizes." Assinala Emmanuel que "as marcas do Cristo não são apenas as da cruz, mas também as de sua atividade na experiência comum", recordando que "a marca do Cristo é, fundamentalmente, aquela do sacrifício de si mesmo para o bem de todos". "Todas as realizações humanas possuem marca própria. Casas, livros, artigos, medicamentos, tudo exibe um sinal de Identificação aos olhos atentos. Se medida semelhante é aproveitada na lei de uso dos objetos transitórios, não se poderia subtrair o mesmo principio, na catalogação de tudo o que se refira à vida eterna. Jesus possui Igualmente os sinais dele." Não seria a resignação um deles?

Durkheim acredita que somente o Estado poderia intervir, o único capaz de reconstituir as relações indivíduo-sociedade. Nem mesmo a família, a religião podem fazê-lo. Para a socióloga Sílvia Regina Pantoja, somente o Estado que olhasse para os grupos profissionais, e não aquele que pri- vilegiasse a ênfase econômica. Aqui nos lembramos do capitulo "As aristocracias" - do livro "Obras Póstumas".

Em nenhum tempo ou nação, os povos dispensaram chefes, ainda mesmo no estado de selvageria. É assim porque, em razão da diversidade de aptidões e de caracteres, que se dão na espécie humana, há sempre incapazes que precisam ser dirigidos, fracos que reclamam proteção, paixões a combater: dai a necessidade de uma autoridade. Sabemos que nas sociedades primitivas a autoridade foi conferida aos chefes de família, aos anciãos, aos velhos, aos patriarcas. A força bruta a segunda aristocracia. Em seguida aaristocracia do nascimento. Elevou-se novo poder - o do ouro que foi seguido de outra mais justa - a da Inteligência. Entretanto o homem mais inteligente pode fazer mau uso das faculdades. Por outro lado, a simples moralidade pode não ter capacidade. É, pois, necessária a união da inteligência e da moralidade para haver legítima preponderância, a que a massa se submeterá, confiada em suas luzes e justiça. Será esta a última aristocracia, durável porque será animada por sentimentos de justiça e caridade. Supremacia que Allan Kardec chamou de aristocracia intelecto-moral. É por isso que a Doutrina Espírita, que em 1857. Inaugurou a era do espírito imortal, afirma que é pela educação, mais ainda do que pela instrução, que se transformará a Humanidade. O homem, que trabalha seriamente em seu melhoramento, assegura sua felicidade desde esta vida, além da satisfação da sua consciência; está livre das misérias materiais e morais, que são as conseqüências forçadas de suas imperfeições; terá calma, porque as vicissitudes não o afetarão senão de leve; terá saúde, por- que não esgotará o corpo com excessos; será rico, porque o é quem se satisfaz com o necessário; terá a paz da alma, porque não terá necessidades impossíveis; não será atormentado pela sede de honras e do supérfluo, pela febre de ambição, da inveja e do ciúme. Nós relembramos - não se suicidará.

O Psiquiatra Miguel Chalub, em "O Globo", chama a atenção para o perfil do suicida: homem, com mais de 55 anos, morador de grandes cidades, AGNÓSTICO (Agnosticismo - doutrina que afirma a impossibilidade do espírito humano de conhecer as realidades que transcendem o mundo sensível ou natural), socialmente isolado, fisicamente doente, sem antecedentes psiquiátricos e alcoólatra moderado. O perfil dos que tentam o suicídio: mulher, jovem, de boa saúde corporal, em situação de conflito evidente com o grupo familiar ou social mais imediato. As estatísticas sobre suicídio demonstram claramente que se associam positivamente ao suicídio em ordem decrescente de importância e significação as pessoas na seguinte situação: sexo masculino, idade avançada, viuvez, celibato ou divórcio, ausência de prole, residente em grande cidade, alto padrão de vida, crise econômica, consumo de álcool e droga, lar desfeito na infância e doença mental ou física. Inversamente, isto é, associam-se negativamente ao suicídio: sexo feminino, juventude, baixa densidade populacional, religião, casamento, prole numerosa, baixo padrão de vida e situação de guerra.

Ainda, o Psiquiatra Miguel Chalub acentua que o suicida não quer matar a si próprio mas alguma coisa que carrega dentro de si e que sinteticamente pode ser: a) sentimento de culpa e b) a vontade de querer matar alguém com quem se identifica. Como as restrições morais o impedem, ele acaba se autodestruindo. Assim "o suicida mata uma outra pessoa que vive dentro dele e que o incomoda profundamente". O Psicólogo Adler e o Psicanalista Ralph fizeram comentários muito pertinentes quando disseram que todos os fracassados: neuróticos, psicóticos, criminosos, bêbados, crianças-problema, SUICIDAS, pervertidos e prostitutas dão à vida um sentido privado. Aninhado nas raízes inconscientes está sempre o grande fator que influencia a conduta consciente - o egoísmo. Um fator a mais está sempre presente, a obsessão, a influência. maléfica, intencional ou inconsciente, exercida por Espíritos Imperfeitos sobre a Humanidade encarnada, de modo prolongado. Nesse particular a Doutrina Espírita lança luz sobre o problema e a Psiquiatria parece receber essa contribuição, como se pode perceber consultando-se o "Reformador" ano 99, mês de janeiro de 1981. Na página 16 vamos encontrar o "Modelo terapêutico psiquiátrico-espírita" que o Professor Pedro de Oliveira Mundim apresentou em Mesa-Redonda no I Forum Brasileiro de Medicina da Pessoa, Presidente Prudente, São Paulo, em 18-10-1980. Assim, a obsessão pode- ria ser definida como um constrangimento que um indivíduo, suicida em potencial ou não, sente, graças à presença perturbadora de um ser espiritual. Vale a pena ler a descrição feita por Allan Kardec, em "O Livro dos Médiuns", capítulo 23.

Pergunta que nos assalta é como se sente o suicida após a desencarnação. Diversas são as obras que comentam o assunto, assim temos como exem- plo "O Martírio dos Suicidas", de Almerindo Martins de Castro, e "Memórias de um Suicida", de Yvonne A. Pereira. Por outro lado não podemos esquecer que Allan Kardec, no livro "O Céu e o Inferno" ou "A Justiça Divina segundo o Espiritismo", deixa enorme contribuição em exame comparado das doutrinas sobre a passagem da vida corporal à, vida espiritual e especificamente no capítulo V da segunda parte, onde cuida dos suicidas.

Parece interessante resumir que após a desencarnação, não há tribunal nem juízes para condenar o espírito, ainda que seja o mais culpado. Fica ele simplesmente diante da própria consciência, nu perante si mesmo e todos os demais, pois nada pode ser escondido no mundo espiritual, tendo o indivíduo de enfrentar suas próprias criações mentais.



PARTE II



Pelo exposto podemos verificar que parece raro o encontro de suicídio em crianças. Mas ele existe? Como a criança encara o problema da morte?

Entramos num terreno que se me parece extremamente complexo e o melhor é deixar o especialista, o mestre no assunto, assumir as rédeas do pensamento. Sem sombra de dúvidas é o psicólogo o mais capacitado para esclarecer nossas dúvidas e à Psicologia Infantil está reservado importante papel no futuro da: Humanidade e é por isso que ela funciona como cadeira básica de qualquer Faculdade de Educação.

Artigo, recentemente publicado pela Psicóloga Wilma da Costa Torres, Professora Assistente do Instituto de Psicologia da UFRJ, destaca a abordagem desenvolvimentista da compreensão da morte pela criança. Apresenta e discute os resultados de pesquisas realizadas para Investigar a Influência de fatores maturacionais, cognitivos, sociais e afetivos nas etapas de conceituação da morte. Seu título - "O tema da morte na psicologia Infantil: uma revisão da literatura" - demonstra que, dentro do nossa espaço disponível, não poderemos explorá-lo adequadamente. Entretanto, é parte extraída dos capítulos 2 e 5 da tese "O conceito de morte em diferentes níveis de desenvolvimento cognitivo: uma abordagem preliminar, apresentada para a obtenção do grau de mestre em Psicologia Aplicada e merece portanto mais tarde ser examinado com carinho. Por ora achamos pertinente anotar algumas conclusões. A primeira, que é apoiada em autores estrangeiros, é que "as diferenças de nível sócio-econômico têm grande importância na aquisição do conceito de morte. Segundo resultados encontrados pelos autores estrangeiros, as crianças urbanas de nível sócio-econômico mais baixo adquirem conhecimentos conceituais acerca da morte mais rapidamente do que as da classe média. O estudo da psicóloga brasileira representa o ponto de partida para a instalação da área de investigação em Tanatologia (*) no Brasil. A equipe de que faz parte prossegue na realização de uma série de investigações visando, através da obtenção de dados extraídos da realidade brasileira, prover psicólogos da área clínica, do desenvolvimento e da educação, de embasamentos teórico-práticos para a abordagem adequada do tema da morte com a criança.

Sumariando de forma muito imperfeita o assunto poderíamos dizer que a pesquisa clássica publicada sobre o assunto tinha uma casuística de 378 criança húngaras e para examinar como as crianças conceituam e lidam com a morte nas várias idades. Interpretava as idéias de morte expressas pelas crianças através de palavras ou desenhos. O autor encontrou evidências para a existência de três etapas diversas. Até 5 anos, não há noção de morte definitiva, a criança não reconhece que a morte envolve total cessação da vida e não compreende a não reversibilidade da morte. A segunda (entre 5 e 9 anos), caracteriza-se por uma forte tendência a personificar a morte. É compreendida como irreversível, porém não como Inevitável. Somente na terceira etapa (9 e 10 anos), a criança reconhece a morte como cessação elas atividades do corpo e como inevitável. E, somente na adolescência, estes são verdadeiramente capazes de apreenderem o conceito de morte bem como o significado da vida.

Trabalhos posteriores trouxeram novas divisões segundo a faixa etária e um autor de língua inglesa coloca crianças entre 9 e 10 anos numa terceira fase, onde a morte é definitiva, mas a morte funciona biologicamente, acreditando que podem ver, ouvir ou sentir. Na quarta categoria (entre 6 e 12 anos), a morte é definitiva e implica a cessação de todas as funções biológicas; as crianças classificadas nesta categoria expressam conceitos realistas sobre a morte. Assim, é possível entre 5 e 12 anos perceber a morte como final e irreversível.

Muito interessante as conclusões de Gessei e colaboradores que descrevem as crianças de 10 anos como mais positivas e práticas na abordagem da morte. Sabem que depois da morte, com o tempo, o corpo se desintegra ou se mumifica, mas não dedicam maior reflexão a este assunto. Aos 11 anos "teorizam" sobre o que sucede depois da morte. Aos 12 anos revelam preocupação sobre a natureza da outra vida. Aos 13 anos a especulação cresce, mas a sua morte é vista como distante de um futuro imediato. Aos 14 anos, unia das tendências mais fortes é a de assinalar a inevitabilidade da morte, o que, entretanto, é acompanhada de uma aceitação positiva; nesta fase a vida é mais importante que a morte e as crianças revelam o desejo de viver uma vida plena antes de morrer.

Noutro trabalho, de não menos importância, realizado com crianças inglesas podem identificar-se5 (cinco) categorias para o significado da morte. O nível mais baixo, categoria A - revela ignorância completa, B - algum grau de compreensão, C - compreensão (define morto como negação de vivo), D - compreensão dos aspectos mais abstratos, E (nível mais alto) - compreensão dos aspectos lógicos ou biológicos da morte. A idade de 7 e 8 anos aparece, nessa investigação, como um marco de mudança (categoria C). A idade média das crianças na categoria B foi de 5 anos e meio, e, a assimilação completa (nível E) só surgiu em torno dos 12 anos.

Piaget considera que a partir do momento em que a criança se torna consciente da diferença entre vida e morte, a idéia de morte incentiva a curiosidade da criança, pois, se tudo é acasalado a um motivo, a morte exige uma explicação especial. Sylvia Anthony, aprofundando as considerações de Piaget, assevera que ao estabelecer a relação entre morte e Humanidade como uma categoria na qual ela própria está logicamente Incluída, atinge o máximo de desenvolvimento.

No Brasil, Rio de Janeiro, a Psicóloga Wilma Torres e colaboradores examinaram 183 crianças entre 4 e 13 anos de idade e seus resultados pare- cem confirmar e ampliar os de pesquisadores estrangeiros. Permitiram, seus resultados, identificar três níveis do conceito de morte descritivos do pensamento das crianças dos diferentes períodos de desenvolvimento cognitivo. No nível 1, característico do subperíodo pré-operacional, atribuem vida ao morto. No nível 2, característico do sub-período operacional concreto, já compreendem a morte como definitiva e no nível 3, característico do período formal, reconhecem a morte como processo interno, implicando a cessação da vida do corpo.

É pertinente relembrar que as crianças urbanas de nível sócio-econômico mais baixo adquirem conhecimentos conceituais acerca da morte mais rapidamente do que as da classe média.

Gostaríamos de perguntar se esta mesma criança é a que procura o suicídio. Quais as causas? Talvez aqui devêssemos procurar um Professor Titular de Pediatria de uma Faculdade de Medicina, no Brasil. O "Jornal de Pediatria", em seu volume 43 em 1977, publicou trabalho do Professor Samuel Schvartsman. Na sua casuística e métodos observamos que foram estudados 21 casos de tentativas de suicídio em crianças de 9 a 14 anos de idade, por ingestão de produtos químicos. Após o atendimento médico eram feitos um estudo das condições e circunstâncias sócio-familiares do paciente, que pudessem estar relacionadas direta ou indiretamente com o evento, e uma análise dos fatores que pudessem permitir a distinção entre a encenação suicida e a verdadeira tentativa de suicídio. Este trabalho se reveste de grande importância para diversos profissionais uma vez que as tentativas de suicídio representam atualmente urna situação preocupante nas estatísticas de morbidade e mortalidade. Nos Estados Unidos - cita como exemplo o pediatra de São Paulo - o suicídio é considerado como a 4a causa mais freqüente de óbitos entre os adolescentes.

O trabalho brasileiro examina os principais dados relativos ao paciente e suas condições sócio-familiares: nome, idade, sexo, cor, maturidade, local do acidente, escolaridade, profissão do pai e da mãe, número de irmãos, tentativas anteriores, comunicação do intento, comunicação com outros, planejamento, objetivo primordial, ambiente reativo, repetição se possível, perfil psicológico e religião.

Vamos começar pelo fim apenas porque no trabalho original o autor não o discute. Foram encontradas 9 crianças católicas, 2 adventistas, 2 crentes e em 8 oportunidades não se pôde determinar a religião. Estes resultados estão em aparente contradição aos referidos anteriormente onde discutimos a prevalência maior entre os protestantes, embora aqueles dados tenham sido retirados de casos de suicídio entre adultos. Por outro lado merece investigação o fato de em 8 oportunidades não ter sido possível definir a religião do paciente ou de seu grupo familiar, uma vez que os sociólogos afirmam que tanto mais a comunidade religiosa está fortemente integrada, tanto mais, também, está dotada de virtude preservadora.

O perfil psicológico das crianças revela na grande maioria - INSEGURANÇA. O objetivo primordial - a MORTE. A maioria repetiria a tentativa, embora esta não tenha sido planejada. Não comunicaram o intento, o ambiente não era reativo, não houve tentativas anteriores e o local principal foi o quarto. Dentre os fatores sócio-familiares relacionados de algum modo com a tentativa e as circunstâncias que poderiam ser consideradas como precipitantes, destacam-se o alcoolismo dos pais em 6 oportunidades, o seu mau relacionamento em 5 e sua ausência em 3. A circunstância mais relacionada como precipitante foi a desavença familiar. Os autores discutem a infreqüência de suicídios em crianças com menos de 14 anos de idade em outras localidades, achando de difícil explicação o fato de 19 (90,5%) das crianças em São Paulo estarem entre 9 e 12 anos. Admitem os pesquisadores brasileiros que a intensidade e persistência de condições sócio-familiares desfavoráveis geraram uma precocidade do amadurecimento no sentido depressivo ou da necessidade de atenção ou afeto. Na amostragem cerca de 62% das mães (13 casos) tinham atividades profissionais diurnas fora de casa e, usualmente, seus filhos menores ficavam apenas sob vigilância do mais velho. Ressaltam os autores que existe a possibilidade de amostragem falseada, uma vez que em famílias de nível sócio-econômico superior estes casos são geralmente, e na medida do possível, pouco divulgados ou diagnosticados de maneira confusa ou inadequada. Ao contrário do que pudemos observar em adultos, em outros trabalhos, houve preponderância do sexo feminino. Aqui merece atenção a observação de que se precocemente reconhecidos pela família ou diagnosticados pelo pediatra é possível alterar evidentemente a seqüência de eventos. São os seguintes: tédio, inquietude, fadiga, preocupação corporal, dificuldades de concentração, dificuldades escolares e comportamento agressivo. Conclusão que parece discutível é a do fato de a criança não procurar a morte como diz fazê-lo. O que se reflete na dificuldade em definir ou caracterizá-la, o que não ocorreria com o adulto.

Como tentativas de suicídio são relacionadas a certos tipos de estruturas familiares e condições ambientais, que, em geral os pais ou parentes são hostis à criança ou entre si, sua finalidade seria a modificação destas situações. O suicida visa não apenas recuperar o objeto perdido, como recuperar o afeto e a atenção das pessoas significativas de seu meio ambiente. A procura de afeto é também, de certa forma, enfatizada pela freqüência relativamente pequena de tentativas de suicídio no filho único, possivelmente porque a capacidade afetiva dos pais seja suficientemente grande para compensar outras dificuldades. Dos casos estudados pelos autores brasileiros apenas um era filho único, enquanto 14 tinham de 4 a 8 irmãos.

O espiritista não pode ficar indiferente a essa problemática. No momento em que temos uma Campanha Permanente de Evangelização Espírita Infanto-Juvenil é necessário que debates sobre problemas diversos da criança sejam realizados de forma a que possamos melhor adequar essa atividade pedagógica. Muito se poderá fazer, entretanto, nessa hora de decisão "é impraticável" o aprimoramento das almas sem educação, e educação exige legiões de cooperadores. Esquecer a infância e a juventude será desprezar o futuro". É por isso que Bezerra de Menezes ("Reformador" - junho/1978) afirma que "ninguém pode empreender tarefas nobilitantes, com as vistas voltadas para a Era Melhor da Humanidade, sem vigoroso empenho de educação evangélica da criança". E Francisco Spineli, no livro "Crestomatia da Imortalidade", assevera que a criança ainda é o sorriso do futuro na face do presente. Evangelizá-la é, pois, espiritualizar o porvir, legando-lhe a lição clara e pura do ensinamento cristão, a fim de que, verdadeiramente, viva o Cristo nas gerações de amanhã. Evangelizá-la de modo que a sua fé, a fé raciocinada, possa apoiar-se nos fatos e na lógica, sem deixar nenhuma obscuridade. Só dessa forma a criatura terá certeza. E ninguém terá certeza se não atingir, pelo menos, o 2.0 nível da taxonomia dos objetivos educacionais segundo Bloom. Porque "a fé necessita de uma base, base que é a Inteligência perfeita daquilo em que se deve crer. E para crer não basta ver, é preciso, sobretudo compreender". Os estudos realizados, pelos pesquisadores das causas do suicídio adulto e infantil, revelam a propriedade e atualidade das palavras de Marta da Anunciação (Depoimentos Vivos):

"Acima de todas as coisas, o amor que observa e corrige, que acompanha e educa, que disciplina e consola, porquanto, sem dúvida alguma, não há método pedagógico de educação melhor do que o AMOR honrado, constante e firme."



Textos correlatos podem ser encontrados em artigos do NEURJ



Referencias Bibliográficas



Evangelização. Apostila do Departamento de Infância. Federação Espírita do Estado do Rio de Janeiro, RJ, 1979.

Kardec, A. O Livro dos Espíritos, 54a ed. FEB, RJ, 1981.

Kardec, A. O Livro dos Médiuns, 44a, ed. FEB, RJ, 1981.

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Republicado no Jornal espírita (SP), novembro, 1984, com o título: por que as crianças se suicidam?

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